Garota relata história chocante de pedofilia e abuso sexual vivida no Litoral do Paraná

Prepara-se para a leitura. O caso está tomando repercussão na cidade de Pontal do Paraná, pois envolve pessoas conhecidas. O Blog da Luciane tomou conhecimento, manteve contato com a Bia Zampieri que morou em Praia de Leste até seus 18 anos. A história envolve pedofilia e abuso sexual. Um caso triste que chocou a população de Pontal do Paraná e do Litoral. O objetivo dela, com o relato, é que outras crianças não passem pela mesma situação e para alertar o que uma criança vive numa situação tão cruel como essa. 

Prepara-se para a leitura de um texto chocante. É um relato de  uma jovem casada que fala sobre sua infância vivida no balneário de Praia de Leste, em Pontal do Paraná. Envolve pessoas conhecidas da cidade e por isso já está criando uma comoção enorme.

Bia Zampieri usou seu perfil no facebook para relatar uma cruel situação vivida por ela e, infelizmente, por outras crianças pelo mundo inteiro: da pedofilia e do abuso sexual infantil. Em sua postagem respondeu a muitos comentários de pessoas que estudaram com ela em Pontal e que lembravam dela. Ela relata que foi abusada pelo padastro e, por fim, lembra que sua mãe também foi uma vítima. Uma história chocante, mas que também envolve amor e superação.

A história chega ao meu conhecimento, justamente, quando nesta semana, em Paranaguá, foi realizada a apresentação do Plano Operativo Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual contra a Criança e Adolescente, o que aproxima ainda mais esta situação dos moradores de todo o Litoral. O Blog da Luciane não fará juízo de valores, por isso, deixamos ao leitor que faça suas próprias reflexões ao ler a história desta corajosa jovem.

Como uma observação pessoal escrevo que, crianças como a Bia, que são vítimas de violência sexual, ao chegar neste momento da vida que ela mesma passa- casada e feliz- são pessoas vitoriosas que passam uma violência cruel e absurda e superam seguindo em frente. Confira você mesmo lendo este texto incrível da própria Bruna Beatriz dos Santos Almeida Zampieri, que agora só poderá ser conferida por seus amigos na rede social.

UM RELATO SOBRE O MEU ABUSO SEXUAL INFANTIL.
💔💔💔💔💔💔
Olá,
Eu sou a BIA, ou melhor, BRUNA BEATRIZ DOS SANTOS ALMEIDA ZAMPIERI.
Lembra de mim?
Hoje eu vim aqui, pra contar uma história que há muito tempo eu guardo em um cantinho dentro do meu coração. Hoje, eu gostaria de compartilhar com vocês A HISTÓRIA DO MEU ABUSO SEXUAL sofrido durante a minha infância e adolescência. Mas antes de começar, eu gostaria de introduzir alguns personagens importantes à essa história.

Como dito acima, meu nome é BRUNA BEATRIZ, mas desde criança fui chamada de BIA pelos meus familiares e de BRUNINHA pelos colegas de escola e professores. Atualmente tenho 26 anos de idade, sou casada há pouco mais de 1 ano e atualmente vivo na Itália.

Os personagens seguintes que quero apresentar são: minha mãe e meu pai. Vou introduzi-los a vocês em conjunto, porque afinal, senão fosse pelo encontro dos dois, eu não estaria aqui hoje. Minha mãe se chama SIRLEI, ela tem atualmente 43 anos e meu pai se chama MAURI ZAMPIERI e atualmente ele tem 53 anos. A história amorosa dos dois começou por volta de 1986 quando minha mãe tinha apenas 12 anos e meu pai 23, um homem casado na época.
Eu não posso dizer muito sobre como a história deles começou porque eu não sei dos detalhes (isso sempre foi um assunto muito evitado em casa). O que eu posso contar, é que depois de anos de relacionamento, minha mãe engravidou do meu pai, ela tinha 17 anos no dia em que eu nasci. Após o meu nascimento, meu pai negou a paternidade, alegou que minha mãe tinha outros homens na época e até mesmo que nunca tinha se relacionado com ela (fatos que estão constados no processo de reconhecimento de paternidade ao qual fui submetida aos 5 anos de idade). Fizemos o DNA e eu fui oficialmente reconhecida filha do meu pai, no dia 27 de março de 2001, eu na época estava com 8 anos.

O quarto e não menos importante personagem que quero apresentar a vocês é o meu padrasto AUGUSTO CAVALARI e por consequencia MEU ABUSADOR. Eu posso defini-lo como: “o cara que roubou minha mãe de mim” (na época em que ele conheceu minha mãe, eu o odiava com todas as minhas forças porque tinha ciúmes da minha mãe com ele), como um amigo, uma visão paterna, meu herói, enfim, o pai que eu não tive.

É difícil para mim, falar sobre datas, inícios, meios e fim com precisão de anos e idades de quando os fatos do meu abuso se deram, pois honestamente eu não me lembro desses detalhes.
O que eu me lembro é que na época em que minha mãe conheceu meu padrasto, eu tinha aproximadamente uns 5 anos e eu e ela morávamos na casa dos meus avós. Lembro que muitas vezes ele dormia com ela, lembro também de um episódio em que ela voltou para casa pela manhã aos prantos com algumas fotos polaroide de uma mulher semi nua em frente ao carro dele, a desculpa dele foi que ele tinha emprestado o carro com a camera dentro para um amigo e que ele era inocente. Minha mãe o perdoou. Me lembro de muitos episódios de brigas e discussões entre eles, eu normalmente ficava com a minha avó nessa época enquanto minha mãe saía com ele. Ele era casado ou recém separado nessa época e a filha dele era ainda um bebê. Me lembro de uma discussão que acabou com ele dando um tapa no rosto da minha mãe dentro da casa dos meus avós, não me lembro o que foi feito sobre isso.. se ela chamou a polícia ou algo assim.

Anos depois, quando eu estava com algo por volta de 7 ou 8 anos, nos mudamos da casa dos meus avós e fomos morar em uma casa com ele. Me lembro muito pouco desse ano, alguns fatos marcantes apenas… lembro-me de uma noite em que minha mãe e eu estávamos indo para casa de bicicleta e eu caí da garupa no meio do caminho e fiquei pra trás até ela se dar conta de que eu não estava a respondendo mais e voltar para me buscar… lembro-me também de uma noite em que meu padrasto chegou bêbado em casa e tentou bater na minha mãe eu eu interferi pulando no meio, ele me abraçou e me disse: o único motivo de eu ainda estar aqui é você… (esses fatos de violência e agressividade eram relativamente comuns em casa) me lembro de muitas vezes em que eles brigaram, e muitas vezes ter visto minha mãe chorar por alguma briga que eles tenham tido.

Depois de um tempo morando nessa casa (não me lembro com precisão quantos meses foram) nos mudamos para uma casa ao lado da casa da minha avó.
Nessa nova casa, meu quarto ficava vizinho ao quarto deles… e a maioria das memórias dessa época vem acompanhadas de algum tipo de cunho sexual.

Sempre tive o hábito de ir ao banheiro durante a madrugada, e em uma dessas vezes, me lembro claramente de o meu padrasto ter aberto a porta do quarto deles, e aparecer completamente nu na minha frente e não demonstrar nenhum tipo de expressão de vergonha por eu tê-lo visto daquela forma. Lembro das vezes em que ele me colocava no colo para me dar “carinho de pai” e das ereções que na época eu não fazia idéia do que eram. Lembro das vezes em que o via através da cortina me espiando enquanto eu tomava banho… lembro do sentimento de vergonha e falta de privacidade que me consumiam. Lembro das vezes em que ele chegava bêbado de madrugada e vinha deitar na minha cama ao invés da dele. Lembro de uma vez eu ter levantado e ido ao quarto da minha mãe me queixar dizendo que ele tinha deitado sobre mim… Minha mãe surtou, acordou ele na mesma hora e disse que se algum dia ele encostasse um dedo em mim de qualquer forma, ela o mataria.
Aquilo, creio eu, ficou insconsciente na minha mente pelos anos seguintes.

Lembro de ter pavor do escuro nessa época (acredito que eu tinha por volta de 11 ou 12 anos)… tive algumas crises sonâmbulas que nunca foram verificadas por um médico.. acordei algumas vezes do lado de fora de casa no meio da noite sem o calçado e me achando maluca, lembro de ele sempre deitar atrás de mim e estimular meu clitóris com os dedos.

Lembro que foi nessa casa em que tive minha primeira menstruação (o que eu acredito, foi a bandeira verde para os abusos com penetração começarem). Como disse anteriormente, não posso precisar o dia exato em que fui violentada pela primeira vez. É como um apagão… uma perda de memória… um vazio de lembranças que insistem em fugir de mim. Mas o sentimento está lá. Aquela sensação de sufocamento, de que o seu corpo é pequeno demais pra você as vezes, o desespero!

No decorrer dos anos seguintes, minha relação com a minha mãe ficou cada vez mais distante e a relação com ele cada vez mais próxima. Eu o via como meu pai, embora nunca tenha conseguido proferir a palavra PAI a ele.. eu inicialmente passei a chamá-lo pelo apelido que ele é conhecido na família e posteriormente de PAPITO. Nós éramos a melhor dupla de pai e filha (socialmente), íamos pescar toda a semana, saíamos juntos a noite, eu era praticamente a sombra dele. Alguns anos mais tare, nos mudamos novamente de casa pois a nossa casa entraria em reforma. Fomos morar na casa dele, que fica mais ou menos uns 2km de distância da casa da minha avó.
Nessa casa tenho lembranças mais vividas do abuso. Me lembro dele me espiando no banho através do buraco da fechadura… me lembro de ele me violentar sexualmente após meus banhos, de ele me forçando a chupar o pênis dele e de querer que eu o cavalgasse. Me lembro das palavras: “você é muito melhor que a sua mãe”. Me lembro dos beijos de lingua que ele me dava e das inúmeras vezes que ele me violentou na posição de conchinha (até hoje tenho certa aflição em praticar sexo nessa posição).

Minha mãe e ele trabalhavam na mesma imobiliária na época (da qual ele era o gerente). Eu normalmente ficava em casa após a aula. Como ele era o gerente, sempre teve horários mais flexíveis que os dela, o que resultava em ele ter muitas horas sozinho comigo.
Os abusos sempre ocorreram na ausência da minha mãe, desde de ela se afastar para ir no mercado (e ele dar uma rapidinha comigo, como nas palavras dele) até quando ela estava na imobiliária e ele sozinho comigo em casa.

Conforme eu entrava na adolescência, mais ciumento ele se tornava, eu mais rebelde e distante da minha mãe, que por sua vez queria controlar todos os passos que eu dava (por muitas vezes, creio eu, influência dele)
Na escola, fui piorando cada vez mais nas notas.. passei por conselho de classe por dois anos consecutivos. Isso tudo, aparentemente, era resultado da adolescência. “A dita rebeldia sem causa”.

Os abusos eram quase que diários em algumas épocas, e quanto mais velha eu me tornava, mais difícil a vida ia ficando… eu não fui uma adolescente normal, que ia a festinhas nas casas dos amigos, nos encontros depois da aula de ingles (se você estudou comigo, e está lendo isso, provavelmente vai lembrar). Minha rotina era sempre de casa pra escola de escola pra casa e posteriormente pra imobiliária (onde comecei a trabalhar com o intuito inconsciente de passar menos horas possíveis em casa). Todo o entretenimento que eu tinha era acompanhado pela minha mãe e ele. Eu não tinha celular ou acesso a qualquer tipo de redes sociais (até um dia fazer uma conta no orkut em segredo).

Me via ilhada, sozinha naquela situação, sem ter pra quem contar, com medo de por um basta e ele largar minha mãe (eu na minha cabeça não queria estragar com a felicidade dela pela segunda vez) A primeira foi quando eu nasci.
Aquela doutrina era tão bem feita que todas as ações levaram ao afastamento da minha mãe e eu, ele sempre estava no meio intermediando”absolutamente tudo.
Na tentativa de ter uma vida mais “normal”, aprendi a barganhar com ele. Eu deixava ele fazer o que quisesse comigo, desde que ele me desse algo em troca. Foi nessa época que consegui ter algumas coisas como um celular e uma conta oficial no orkut.

Comecei a jogar truco online em um site de jogos online e conheci meu primeiro namorado aos 15 anos. Tudo escondido, obvio… até que um dia meu padrasto descobriu tudo. Eu mais uma vez barganhei, disse que ele podia ter relações comigo se eu pudesse namorar aquele menino que tinha conhecido. E assim aconteceu. Meu padrasto me levou para conhecer esse menino e me “ajudou” a convencer minha mãe para que eu pudesse namorar (Mais uma vez ele salvou o dia e foi o melhor pai do mundo! #sóquenão). Alguns meses depois de conhecer esse menino na internet, eu o conheci pessoalmente, e então ele veio até a praia onde eu morava para conhecer minha mãe e a historia do namoro virou realidade na prática.

Como morávamos em cidades diferentes, ele sempre vinha nos finais de semana para me ver. Os meses foram passando, minha mãe sempre na marcação cerrada em cima do namoro, e minha nova punição para qualquer coisa que eu fizesse, era não poder ver ele. Eu almejava conhecer a família dele, fazer passeios e coisas desse gênero que adolescentes fazem, mas eu nunca podia… novamente, eu ia e barganhava o sexo pela determinada coisa que eu queria.
Foi então, que em uma visita que fiz pro meu namorado em Curitiba (meu padrasto me levou, como prêmio por eu ter sido uma boa menina e aguentado tudo quietinha), eu tive a minha “primeira vez” com esse menino.

Qual foi o meu sentimento? Nenhum, no primeiro momento.
No segundo: meu mundo desmoronou pela primeira vez. Por associação, descobri que aquilo que acontecia comigo em casa não era algo normal. Aos 16 anos, eu descobri que estava sendo abusada. E que pior que isso, que estava tão afogada naquela realidade, que abracei ela. ME ACOSTUMEI COM ELA.

Mas daquele momento em diante, tudo mudou. Ficou cada vez mais insuportável deixar que aqueles abusos ocorressem, comecei a ficar cada vez mais arredia ao meu padrasto, a negar e fugir… deslizar por entre as frestas e me esquivar daquela situação. Um dia… quando eu tinha uns 17 anos mais ou menos, eu criei coragem de dizer o meu primeiro NÃO em anos de abusos constantes. E sabe o que eu ouvi quando questionei meu abusador? As seguintes palavras: “VOCÊ NEM ERA MAIS VIRGEM MESMO, NÃO SEI PORQUE TANTO DRAMA AGORA!!!!” Lembro disso como se fosse ontem… o sentimento de que eu não valia nada e de que tudo aquilo que eu vivi por anos não valia de nada. Não tinha sido nada de incomum, de que eu estava fazendo drama!

A situação em casa ficou cada vez mais difícil, a convivência com a minha mãe cada vez mais insustentável… No dia do meu aniversário de 18 anos, ouvi ela dizer: “EU DEVERIA TER ABORTADO VOCÊ ENQUANTO EU TINHA CHANCE!”
Larguei meu emprego na imobiliária e fui trabalhar em outro lugar. Meu padrasto se viu cada vez mais sem controle sobre mim e sobre as coisas que eu fazia, sempre tentando algo, se insinuando mesmo depois de eu deixar bem claro que ele não ia mais fazer aquilo comigo…
Um dia, tive uma briga com a minha mãe na qual era me expulsou de casa pela terceira vez e tentou me bater, me disse que não ia mais tolerar filha vagabunda vivendo na casa dela (palavras essas direcionadas ao meu relacionamento com meu namorado da época). Eu estava a ponto de explodir.

Conversei com meu namorado, e planejamos de ele me levar pra morar na casa dos pais dele em Curitiba. Arrumei minhas coisas e no final de semana fui embora de casa. Dia 12 de fevereiro de 2011, aos 18 anos, 6 meses e 3 dias de vida, eu abandonei aquela realidade abusiva que vivi por anos consecutivos, sem nem olhar para trás. EU PUDE SENTIR PELA PRIMEIRA VEZ O QUE ERA LIBERDADE.
Mas aquela sensação não era real, foi apenas um alívio breve na alma.
Não demorou muito para que os fantasmas desse trauma começassem a visitar meus sonhos.
Quanto mais o tempo foi passando, mais coisas eu me recordava… (eu me lembrava muito menos antes). Mais eu me culpava por não ter saído daquela situação antes, mais eu me sentia imunda por dentro e por fora. Minha vida e minha cabeça estavam uma bagunça. Eu entrei em negação inicialmente, depois eu me culpei, me culpei muito por tudo o que tinha acontecido. Tentava achar razões, os motivos daquele abuso ter acontecido comigo.. pensava nas roupas que eu usava em casa quando era criança, se me insinuava de alguma maneira, tudo começou a vir na minha mente.

O sexo não era algo prazeroso para mim, eu transava com meu namorado e não sentia nada.
Toda a vez que me sentia frustrada com algo, queria “descontar” transando com algum estranho que encontrasse. Eu tinha a falsa sensação de que aquilo era uma escolha consciente, mais tarde descobri na psicóloga que aquilo não passava de uma resposta do meu cérebro pra me sentir confortável de alguma forma (a falsa sensação de poder) o poder da escolha (escolha essa que não tive acesso por toda a vida). Estava viciada na sensação de poder que o sexo me trazia. De me sentir desejada e bonita. Minha auto estima foi quebrada de tal maneira com o abuso, que me colocava na situação extrema de desvalorização do meu próprio corpo pra satisfazer o desejo da minha mente. Entre esses “casos sexuais casuais” conheci meu atual marido Henry… me apaixonei, e troquei meu antigo namorado por ele. Estamos juntos ha 6 anos e cinco meses, e ele em grande parte é o culpado por eu estar contando essa história agora.
Me lembro de quando o conheci, ele viu, logo de cara que algo estava errado comigo. Ele não queria meu corpo apenas, ele me respeitava e me via como um ser humano frágil que precisava ser amado, cuidado e protegido. Nunca contei sobre isso para o meu ex namorado. Por medo do julgamento dele, por ele achar que era uma desculpa para as traições que eu tinha cometido… não sei… Hoje me arrependo de não ter falado para ele…
Me arrependo de não ter contado para todas as pessoas ao meu redor na época que tudo aquilo estava acontecendo comigo. Me arrependo de não ter gritado, pedido socorro, ajuda, qualquer coisa. ME ARREPENDO DE NAO TER SIDO FORTE! Me sinto estúpida, e novamente culpada por TUDO isso!

Gostaria de poder abraçar aquela garotinha que eu era e ter dito pra ela, não tenha medo, conte pra sua mãe tudo o que está acontecendo… não tenha medo Bia!
Mas, eu não posso.
Depois que saí de casa, meu contato com meu padrasto foi diminuindo cada vez mais. Fui me afastando e afastando até chegar ao ponto de bloquear ele no meu celular.
Tenho me esquivado por anos das perguntas da minha mãe do porque eu ter mudado tanto a minha atitude com ele (ele faz ela me perguntar isso). Ele deve também falar para todos que não entende porque eu me afastei dele, ou deve dizer que sou ingrata… que não sei dar valor para o “PAI”maravilhoso que ele foi para mim.
Ah, e por falar em pai, eu finalmente conheci o meu pai biológico pessoalmente. Digo, nos falamos pela primeira vez. E minha opinião sobre isso? Antes não o tivesse feito.
Era melhor ter morrido com a idéia ilusória de que eu e ele não tivemos contato durante toda a minha vida por circunstancias da vida… Dói ser renegado mais de uma vez, dói seu pai não aparecer no seu casamento, ou então não te ligar no dia do seu aniversário, mesmo depois de ter o seu numero de telefone. Dói seu pai querer “negociar” com você para você abdicar do processo de pensão alimentícia que corre contra ele na justiça há 15 anos. Dói quando quem deveria se importar com você, te proteger e amar… simplesmente demonstram que você não passa de um pedaço de nada. Dói se sentir um fantasma!
Em relação a minha mãe, demorou um tempo para que pudesse parar de sentir raiva dela.. demorou um tempo para que eu enxergasse, que ela foi tão vitima de abuso quanto eu quando namorou meu pai tento apenas 12 anos e ele 23. Demorou um tempo para que eu sentisse compaixão e conseguisse ter algum sentimento bom por ela em relação a essa história. Me fere muito, e eu lamento muito ela não ter cuidado mais de mim, ela não ter enxergado todos os sinais dados naquela época, talvez ela diga que nenhum foi dado… mas a verdade é outra. Faltou sensibilidade pra enxergar o que estava bem debaixo do nariz dela..

Você deve estar se perguntando qual o meu intuito com esse relato, não é?
Bem, algumas pessoas de fora do meu circulo social da época sabem dessa história, porque chegou um momento em que eu precisei falar disso para alguém Então acabei dividindo isso com alguns amigos que fiz ao longo do tempo da vida adulta. Eu finalmente me senti bem falando sobre isso com alguém. Então em 2013 eu resolvi contar também pra um grande amigo meu da época, que cresceu comigo e que estava sempre comigo e com o meu padrasto nas pescarias e programas que fazíamos juntos… e ele me disse: “NA ÉPOCA AS PESSOAS ACHAVAM QUE VOCÊ TINHA UM CASO COM O AUGUSTO”. Ele me pareceu triste por saber daquilo, mas um tempo depois não tive mais contato com ele e não sei qual o real pensamento dele sobre isso.
Eu levei isso como um julgamento negativo e novamente o desencorajamento de contar para todos veio a tona e eu desisti de dividir isso com mais alguém.
O medo de ser julgado ou tachado da forma errada simplesmente me congelaram e eu deixei pra lá.

O meu intuito com esse relato é me libertar e tentar seguir em frente com a minha vida. Fazem 10 anos que tenho consciência desses abusos, e durante esses dez anos muitas coisas aconteceram na minha vida, eu amadureci como ser humano, como mulher… eu aprendi a lidar com meu impulso de fazer sexo com estranhos cada vez que me sinto frustrada… estou mais sóbria sobre tudo o que me aconteceu.

No meu aniversário desse ano, minha mãe me escreveu um texto que dizia como ela se sentia em relação a ser minha mãe, falando que se existiram momentos tristes e ruins, ela não lembra e no fim ela termina dizendo que meu padrasto mandou ela dizer, que ele ainda me ama com o amor de um pai mesmo que eu tenha me afastado tanto ao longo dos anos.

Minha conclusão e reflexão sobre isso, é de que chegou a hora de falar.
Chegou a hora de colocar as responsabilidades nas pessoas e lugares devidos, chegou a hora de me libertar desse peso que tenho carregado sozinha ao longe de tanto tempo.

Não é justo carregar isso sozinha, não é justo lembrar disso todos os dias e repassar essa história todos os dias na minha mente incansavelmente.
Eu não posso abraçar aquela garotinha de anos atrás, aquela Bia que enfrentava tudo aquilo sozinha e perdia o brilho do olhar, que se afogava e sumia no meio daquela tempestade. Eu não posso dizer para ela o quão forte ela é, e que tudo vai dar certo no final.
Mas eu posso, olhar para mim mesma no espelho hoje e tentar encontrar aquela garotinha aqui dentro. Um lampejo daquele sorriso já me faria a mulher mais feliz do Universo. E pra isso, eu precisava contar, dividir isso com alguém… saber que finalmente eu gritei pro mundo o que aconteceu e de certa forma ainda acontece aqui dentro de mim, nas minhas memórias, TODOS os dias incansavelmente. Esse TRAUMA está vivo aqui dentro, é uma ferida aberta que eu espero um dia ver e sentir cicatrizar.

Meu intuito é também alertar de certa forma o maior numero de pessoas possíveis, principalmente as mães que expõem suas filhas e filhos aos novos cônjuges.
Eu não sei qual vai ser a repercução desse texto, eu não sei qual vai ser o julgamento do leitor, eu não sei quais serão as consequências. Eu só sei que finalmente eu falei, e agora esse peso não é só mais meu, essa responsabilidade não é só mais minha…….

Essa é a história de um homem adulto que abusou de uma garotinha, que se aproveitou da carência do amor de um pai ausente e da confiança de uma mulher quebrada pela vida que confiou cegamente que ele era o cara perfeito pra “substituir”o papel do pai que a filha dela não teve.

Essa é a história de uma garotinha que não teve a chance de ter as primeiras experiências, que teve suas escolhas roubadas por um abuso sexual. Que não pode escolher em quem dar o primeiro beijo, que não pode se permitir ter a primeira paixão….

Essa é a história de uma mulher adulta, que aprendeu da pior forma possível a ser “durona” e a afastar TODOS os que tentam ser amáveis com ela… é a história de uma mulher adulta que está aprendendo a se curar, que está aprendendo a se valorizar como mulher, que está aprendendo a ser vítima do abuso sexual que sofreu na infância e não mais a mentora disso como acostumou a aceitar por anos. A história de uma mulher que carrega as cicatrizes psicológicas, os entraves emocionais e físicos, a história de uma mulher que por anos não soube o que era sentir um orgasmo, que não se permite transar no escuro e que até hoje demora ou não consegue ter um orgasmo com um homem sendo o agente ativo na relação sexual.

INFELIZMENTE, esse crime já prescreveu pela lei do Brasil, e o meu abusador não vai sofrer nenhuma sanção jurídica. Mas eu não conseguiria mais viver com a idéia de que talvez ele possa ter feito isso para mais meninas ou mesmo com a idéia de que ele vive isento de qualquer ônus por esses atos, mesmo que os sociais.

E agora, eu falo diretamente para você abusador pedófilo maldito e desalmado: Eu não poderia mais viver com a idéia de que TODOS ao seu redor NÃO CONHECEM VOCÊ COMO EU CONHEÇO!!!!! Você pode negar o quanto quiser, esse relato pode não fazer efeito algum na sua vida… mas no fundo você sabe que cada palavra dita aqui é a mais pura e honesta verdade, e ninguém pode julgar alguém de forma mais pesada do que nós mesmos! A nossa consciência é o pior juiz.

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