Crônica do Dia: Desacreditados

desacreditadosPor: Kátia Muniz

As eleições batem à porta. Toc, toc, toc.

Realmente, acho lindo quem tem o poder da oratória. Quem segura o microfone e consegue fazer jorrar as palavras, sem perder a linha de raciocínio. Não pigarreia, não gagueja, não titubeia, não demonstra insegurança. Tem a fala firme, dá ênfase às frases de efeito, sobe e desce a voz num balé, tecnicamente ensaiado. As mãos não tremem, os olhos se mantêm firmes encarando aqueles que têm potencial para lhe entregar votos na urna. Inegável o poder de convencimento, que quase me pegam. Eu disse quase. Sou arisca.

Promessas repetidas a mim não fazem nem cócegas. Desde que me vi votando pela primeira vez, ouço essa reprise de projetos que ficam belíssimos no papel e, em grande parte, inviáveis na prática.

Reparei que, ultimamente, há uma mudança sutil nos discursos. Antes os candidatos diziam “se eu for eleito implantarei…”, agora, “eu vou implantar…”. Abandonaram a condicional “se”. Pronunciar palavras que nos direcionem ao objetivo é um recurso capaz de elevar a autoestima e de manter a confiança no propósito. Tenho que concordar que a segunda opção causa mais impacto. Quase me pegam com essa mexida. Ainda não. Sou arisca.

Ouvi de alguém: “Votarei no candidato X porque, se ele ganhar, será vantajoso para o local onde trabalho”. Franzi o cenho. Não se pensava na coletividade, e sim no próprio umbigo.

E pensando no próprio umbigo é que o cenário político geral é de fazer corar, chorar e se envergonhar. Brincaram demais com as pessoas honestas que seguram o dia a dia desse país. O que se vê agora é um descontentamento, uma revolta, uma inquietação, uma falta de vontade de ir às urnas. A gente acredita em quem?

Quem ainda traz consigo a capacidade de querer, realmente, mudar algo? De fazer com que suas palavras se revertam em atitudes? De ser o mesmo antes e depois das eleições? De honrar a sua fala? De não se envolver no mar de lama? Quem?

Não dá para generalizar. Há pessoas éticas nesse meio. Quero acreditar que sim. É preciso ter um fio de esperança. Representam, porém, uma poça ínfima, comparado ao mar de pessoas envolvidas em falcatruas, em lavagem de dinheiro, em corrupção, em escândalos políticos e em tudo que já estamos esgotados de ver e ouvir.

Há pouco, veio a público o ex-presidente de nosso país declarar que “A profissão mais honesta é a do político, porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir pra rua encarar o povo e pedir voto. O concursado, não. Se forma numa universidade, faz um concurso e tá com um emprego garantido para o resto da vida”.

Achincalhou a educação, que, a meu ver, é a única fonte de salvação de qualquer nação, e nivelou os políticos. Até seus fiéis escudeiros, que se encontravam atrás dele no momento dessa infeliz fala, não conseguiram disfarçar o desconforto.

Se alguém que, até pouco tempo atrás, foi a autoridade máxima do país, sai com uma dessas, onde é que a gente encontra forças para saltar da cama no próximo dia 02 de outubro e ir serelepes votar?

Segurar criancinhas no colo, fazer peregrinação pelos bairros, apertar milhares de mãos, ter câimbra nos maxilares de tanto sorrir, posar com a família, transformar esposas avessas ao corpo a corpo com eleitores, em simpáticas futuras primeiras damas, conseguir o voto no peito e na raça, tentar, inutilmente, esconder deslizes do passado, tão escarafunchados pela oposição, reverter um quadro tão manchado.

Como se vê, não anda fácil ser político. Mas tem pessoas que encenam bem esse papel. Quase me pegam. Eu disse quase. Sou arisca.

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