Você já fez obra na sua casa? Então vai se divertir com a crônica da Kátia Muniz

kátia munizMãos à Obra

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Chegam os azulejos, os rejuntes, os porcelanatos, os sacos de cimento, areia, tijolo.
Sinto cheiro de mudança, de renovação, da casa com um ar novo, na mesma proporção que sinto também o cheiro de incômodo, se incômodo cheiro tivesse.
Obra em casa é legal desde que você esteja a uns bons raios de distância. De preferência em outro país.
Queria, na minha vida, um Luciano Huck que me convocasse para participar do quadro “Lar Doce Lar”. Aquele em que hospedam a família num hotel enquanto a casa vem a baixo. Derrubam paredes, alteram a planta original, pintam, decoram. A família só retorna com a residência reformada, reestruturada e limpa. Tudo pronto! Agora, é só fazer cara de feliz, o que, convenhamos, não é nada difícil, depois de passar um bom tempo com sombra e água fresca, enquanto um batalhão de gente arcou com gastos e perturbações.
Sorria, você está sendo filmado!
Quebram, martelam, furam. A bateria de uma escola de samba faz menos barulho.
Obra tem o poder de congelar o calendário, dentro da residência. Passam-se os dias lá fora. Internamente, a impressão é que se leva meses entre o assentamento de um azulejo e outro.
– Vai faltar cimento.
– Quanto, seu Zé?
Seu Zé não tem pressa no raciocínio. Gruda os olhos castanhos na parede fazendo uma conta imaginária.
Faço pressão: – Quanto, seu Zé?
Vinte anos se passam para ele afirmar sem muita convicção que precisará de dois sacos de cimento.
Corro até a loja de material de construção. Esses dias uma senhora me perguntou se eu estava trabalhando lá. “Olha, não duvido se encontrar o meu retrato pendurado, não como funcionária do mês, mas como cliente do mês”.
Tempos depois, retorno com o pedido.
– Vai faltar rejunte.
Faz tempo que não me deparo com meu próprio sorriso. Seu Zé deve tê-lo cimentado e rejuntado em algum lugar da casa. É bem possível que tenha surgido daí a falta de material.
– E paciência, seu Zé, vende onde?

Seu Zé fixa novamente os olhos na parede e mais vinte anos se passam.

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