– Está tudo bem contigo?
– Sim. Tudo bem.
Não. Não está.
Suas olheiras estão encostando no pé. Seu rosto denuncia cansaço. E o sorriso esboçado não condiz com a afirmação dita.
Claro, não convém retratar nossos problemas a cada um que nos pergunta se estamos bem. Não devemos ficar nos lamentando. Não pega bem reclamar de tudo e de todos.
Mas, aí é preciso combinar com o ator ou atriz que mora dentro de nós. Precisamos representar, convencer a contento. É necessário que o que sai da nossa boca também reflita, pelo menos, na nossa aparência e no visual.
Está tudo bem, mas você chora a noite antes de dormir.
Está tudo bem, mas você não se reconhece no espelho.
Está tudo bem, mas sua saúde não é das melhores.
Está tudo bem, mas cinco minutos atrás você xingava no trânsito.
Está tudo bem, mas a empresa que você trabalha está fazendo corte de funcionários.
É fantástico quando a pessoa consegue separar os problemas. Problemas do trabalho, ficam no trabalho. Problemas de casa, ficam em casa. Algumas possuem essa habilidade, outras adquirem com o tempo, e outras não dão para a coisa, misturam tudo, fazem um auê por qualquer motivo.
Não se lamente, mas interprete, dirija a si mesmo, encare a personagem. Muitas vezes é um recurso necessário.
Porque pior do que não saber representar é mentir pra si mesmo.
Encenamos, decoramos nossa fala, nos dirigimos.
Escolhemos o que queremos mostrar para consumo externo. O resto a gente guarda, esconde. Não há tomografia que detecte as nossas dores internas.
Não resolve sopro de mãe. Aquele mesmo sopro que ela deva no machucado dizendo que já ia passar. E passava. Agora não passa, dói, machuca, arde, dilacera.
Nossos gritos internos incendeiam, ganham propulsão, mesmo que nossa fala insista em dizer que está tudo tranquilo.
Há sempre alguma dor escondida por trás de um “tudo bem”.