Por: Kátia Muniz
Lembro-me, ainda com pouca idade, ouvir que o bem sempre vence o mal. As histórias infantis, enfaticamente, retratavam as personagens do bem se debatendo em vários capítulos, lutando contra os vilões. Mas o término sempre enaltecia o bem, que ressurgia cheio de forças e com finais felizes.
Fui crescendo e percebendo que vilões também saltavam da ficção e se materializavam na vida real. O mal rondava, mantinha-se à espreita, era preciso manter-se atenta.
“Não aceite nada de estranhos: balas, chocolates, carona. Nada, ouviu?” Dizia minha mãe.
Então, entendi que o problema eram os estranhos. Esses seres que a gente não sabe de onde vieram, quem são, se têm família, moradia, profissão. Bem mais para frente, percebi que se enquadrar em pré-requisitos não livrava o mal de agir.
O mal dirige carro, o mal possui emprego, o mal forma família, o mal se disfarça sem precisar necessariamente fazer uso de balaclava ou qualquer outro acessório. O mal pode sim desfilar de cara limpa, esteja ele bem apresentável ou não. Foi ao chão o estereótipo de que só gente maltrapilha carrega a pecha da maldade.
Pessoas do bem também existem em larga escala. Aleluia! Estão por aí, engajadas em ações sociais, arregaçando as mangas em mutirões de limpeza, participando de trabalhos voluntários ou mantendo a sua rotina na previsibilidade de um padrão enquadrado pela sociedade como correto. O que não as blindam de cometer deslizes como: furar a fila, estacionar em vagas destinadas a idosos ou deficientes físicos, inventar uma mentirinha aqui e outra acolá, não avisar que o troco foi dado a mais, tentar subornar o guarda. São exemplos de infrações cotidianas que não nos levam a julgamentos em tribunais, mas que também não nos glorificam.
O lado A e o lado B fazem morada em nós? Se fazem, qual irá aflorar dependerá de uma infinidade de fatores.
Leio jornais, assisto aos noticiários e me estarreço diante das proliferações de vilões.
Em que momento demos uma cochilada e o mundo saiu dos trilhos? Há vingança demais, ódio demais, maldade demais, crimes demais.
O mal se aperfeiçoa, gasta horas em planejamento, estuda os detalhes com minúcia, traça rotas, escolhe horários. O mal se profissionaliza. Quer ser notícia. Ah, a vaidade!
O tempo que escrevo essa crônica não será o mesmo que você irá ler. Já terão se passado vários dias e não sei precisar qual notícia bombástica estará em vigência, mas certamente haverá muitas. Elas se atualizam a cada nascer do dia, infelizmente.
É possível perceber, assim como na época que eu ainda era uma menina, que o bem continua a se debater em vários capítulos, desta vez, lutando não só contra a frieza humana, mas também com a ousadia, a agilidade, a perspicácia, a anulação de culpa, a impulsividade e tudo que possa caracterizar o pior lado de um ser.
Foi-se o tempo que a maldade vinha em forma de uma maçã envenenada entregue a uma moça indefesa. As histórias agora são outras, dignas de nos deixarem perplexos e paralisados, mas incapazes de aniquilarem nossas forças para recolocar o mundo nos trilhos novamente.