Crônica do Dia: Tudo bem

can-stock-photo_csp2433659Por: Kátia Muniz

– Está tudo bem contigo?

– Sim. Tudo bem.

Não. Não está.

Suas olheiras estão encostando no pé. Seu rosto denuncia cansaço. E o sorriso esboçado não condiz com a afirmação dita.

Claro, não convém retratar nossos problemas a cada um que nos pergunta se estamos bem. Não devemos ficar nos lamentando. Não pega bem reclamar de tudo e de todos.

Mas, aí é preciso combinar com o ator ou atriz que mora dentro de nós. Precisamos representar, convencer a contento. É necessário que o que sai da nossa boca também reflita, pelo menos, na nossa aparência e no visual.

Está tudo bem, mas você chora a noite antes de dormir.

Está tudo bem, mas você não se reconhece no espelho.

Está tudo bem, mas sua saúde não é das melhores.

Está tudo bem, mas cinco minutos atrás você xingava no trânsito.

Está tudo bem, mas a empresa que você trabalha está fazendo corte de funcionários.

É fantástico quando a pessoa consegue separar os problemas. Problemas do trabalho, ficam no trabalho. Problemas de casa, ficam em casa. Algumas possuem essa habilidade, outras adquirem com o tempo, e outras não dão para a coisa, misturam tudo, fazem um auê por qualquer motivo.

Não se lamente, mas interprete, dirija a si mesmo, encare a personagem. Muitas vezes é um recurso necessário.

Porque pior do que não saber representar é mentir pra si mesmo.

Encenamos, decoramos nossa fala, nos dirigimos.

Escolhemos o que queremos mostrar para consumo externo. O resto a gente guarda, esconde. Não há tomografia que detecte as nossas dores internas.

Não resolve sopro de mãe. Aquele mesmo sopro que ela deva no machucado dizendo que já ia passar. E passava. Agora não passa, dói, machuca, arde, dilacera.

Nossos gritos internos incendeiam, ganham propulsão, mesmo que nossa fala insista em dizer que está tudo tranquilo.

Há sempre alguma dor escondida por trás de um “tudo bem”.

Crônica do Dia: A beleza dos gestos

kátia-muniz2Por: Kátia Muniz

Já faz tempo. Havia me hospedado em um hotel, no centro de Curitiba. Estava retornando de um passeio, quando um homem alto, com um rosto que me pareceu familiar, segurou a porta de entrada do hotel para que eu pudesse passar. Justo eu que não sou de economizar sorrisos, entreguei a ele um bem farto, daqueles que só a boca não dá conta e, por isso, acaba usando o rosto inteiro. Agradeci o gesto, e ele respondeu com voz grave: “De nada”. Peguei o elevador com a dúvida martelando na minha cabeça: “Eu conheço esse cara de algum lugar!”. Depois de quase promover um curto-circuito interno nos meus neurônios, fui acometida com a real identidade do tal homem: Arnaldo Antunes. Ex-titãs e, agora, alçado à minha lista de homens gentis que cruzaram o meu caminho. Continue lendo

Crônica do Dia: A beleza dos gestos

ternura do amorPor: Kátia Muniz

Já faz tempo. Havia me hospedado em um hotel, no centro de Curitiba. Estava retornando de um passeio, quando um homem alto, com um rosto que me pareceu familiar, segurou a porta de entrada do hotel para que eu pudesse passar. Justo eu que não sou de economizar sorrisos, entreguei a ele um bem farto, daqueles que só a boca não dá conta e, por isso, acaba usando o rosto inteiro. Agradeci o gesto, e ele respondeu com voz grave: “De nada”. Peguei o elevador com a dúvida martelando na minha cabeça: “Eu conheço esse cara de algum lugar!”. Depois de quase promover um curto-circuito interno nos meus neurônios, fui acometida com a real identidade do tal homem: Arnaldo Antunes. Ex-titãs e, agora, alçado à minha lista de homens gentis que cruzaram o meu caminho.

Continue lendo

Crônica do Dia: Inteira

Por: Kátia Muniz

Woman-Eating-Solo.jpg.653x0_q80_crop-smartUma parte dela paga as contas, resolve as encrencas cotidianas, organiza a casa, dá comida para os cachorros, trabalha.

Ela cumprimenta as pessoas, respeita filas, não costuma violar a lei, é educada e simpática.

Vai às compras, pesquisa preço, abastece o carro.

Gosta de teatro, de cinema, de se encontrar com as amigas, porém, ultimamente, anda muito caseira. Continue lendo

Crônica do Dia: Presente para o papai

1-Duvidas

Por: Kátia Muniz

Andar de salto quinze, passar delineador sem borrar, conseguir equilibrar a bolsa pesada com sacolas de supermercado entulhadas de mantimentos e, pasmem, ainda sobra espaço para carregar a mochila do Joãozinho que não para quieto um segundo e segue lindo, serelepe e saltitante. Toda mulher possui braços que se transformam em tentáculos.  Tudo isso é fichinha para nós.

O que nos causa tremor e ranger de dentes é quando se aproxima o Dia dos Pais. O que comprar? É esse questionamento que gera dor de cabeça. E ela vai se intensificando à medida que a data se aproxima.

Quão prático seria se homem usasse um blush, uma tiara de cabelo, meia-calça com fio 20, 40, 60, cor da pele, marrom, preto, cinza, vermelho. Sapatilhas com lacinho, sem lacinho, bordadas com lantejoulas. Bijuterias variadas. Quem sabe os mais prendados gostassem de ganhar tapetinhos para banheiro, paninhos de prato, almofadas, liquidificador, jogo de panelas.

Mas não. Restam poucas opções, principalmente para o seu pai que não é um leitor. Adeus a algum título da livraria. Ele não bebe. Adeus a abridores, saca-rolhas, conjunto de copos.

Então, lá está você diante de uma pilha de camisas polo. Outra vez?

Lá está você com três pares de meias: preta, marrom e cinza. De novo?

Lá está você em dúvida se leva a camiseta tamanho M ou G. Coitada de você!

Lá está você segurando uma bermuda de tactel e tendo a certeza que errará o número.

Lá está você comprando um pijama. Logo para ele que dorme só de cueca.

Bingo! Cuecas!

Pronto. Resolvido.

No Dia dos Pais, você entrega o presente feito com todo capricho, acompanhado de um sorriso que vai de orelha a orelha. O sorriso é recolhido de um golpe, no momento em que vê seu pai estraçalhando o papel de presente. Uma criança de cinco anos leva mais jeito para abrir um embrulho. Ele confere o produto, lhe agradece com um beijinho e estica o presente para a esposa guardar. Homens são de uma objetividade e de uma praticidade invejáveis.

Não fique triste, querida, o ano que vem o martírio tem repeteco.

Crônica do Dia: O tempo e o amor

kátia 1Por: Kátia Muniz

Diante dela, ele começou a falar:

Antes de tudo, eu quero te agradecer por ter aceitado o convite para o café.

Você não mudou nada, sabia? Ainda traz o jeito meigo, o mesmo olhar e as covinhas no canto da boca quando sorri. Exatamente do mesmo modo quando me apaixonei por você na nossa adolescência. Continue lendo

Crônica do Dia: O amor e o tanto faz

kátia 1Por: Kátia Muniz
O amor não é linear. A gente não ama da mesma forma todos os dias.
Amamos, mas há dias que a gente não quer ver o outro, quer conversar o mínimo possível, quer silêncio, quer um espaço, quer uma paz individual.
Há dias que as mensagens no WhatsApp se fazem desnecessárias, ligar nem pensar e assistir a um filme juntos não é uma boa ideia.
Há dias que o amor veste a roupa da raiva, da mágoa, do descontentamento, do desconforto, da desilusão, do me deixa em paz.
A gente ama, mas quer fazer uma viagem sozinho, quer fazer um programa com as amigas, quer jogar um futebol com a turma do trabalho, quer um respiro, uma quebra de rotina.
Amamos também quando temos vontade de sumir, de chutar o balde, de programar a vida de um jeito diferente.
Tudo isso confunde, deixa a gente pensando que o amor fez as malas. Mas, quando ajustamos o foco, entendemos que, muitas vezes, o amor é contraditório. Faz looping na montanha-russa dos sentimentos, mas depois o carrinho desacelera e estaciona no trilho.
Porque há dias em que o amor parece não ser amor, mas ainda é.
A bagunça toda é só por um momento, um período, uma data, uma fase. Passada a turbulência, as mãos são dadas e a vida segue.
Amor só não é amor quando se instala o tanto faz: tanto faz se um bom-dia foi dado, tanto faz se o outro está gripado, tanto faz se vai trabalhar ou se é o dia da folga, tanto faz se comeu ou se está de dieta.
Tanto faz se está em casa ou não, se vai sair ou está chegando, se está vestido ou se está nu.
O tanto faz são olhos acostumados. Olhos que já não mais enxergam o outro.
Tanto faz é você não mais pertencer, não estar mais inserido no contexto, é não fazer falta, é saber que o outro não sente a tua presença e já não mais percebe a tua existência.
Tanto faz é a morte do amor, mesmo com o outro ainda respirando.

Crônica do Dia: Abraço

abraçoPor: Kátia Muniz

“No abraço a gente entrega o quanto ama”. Fernanda Estellita.

Não é novidade, pelo menos para quem me acompanha, que costumo, muitas vezes, dar a largada para meus textos usando como base frases que me tocam.

A que abre esta crônica, caiu como uma luva para celebrar o Dia do Abraço, em 22 de maio. Continue lendo

Crônica do Dia: Ela se chama Maria

18341818_1039807852819111_8690260596138685633_nPor: Kátia Muniz
Diga, mãe, que você vai continuar a me dar colo, a me fornecer os abraços mais aconchegantes, a depositar beijos no meu rosto e a me emprestar os seus ouvidos.
O tempo está passando. Para que tanta velinha em cima desse bolo? Mais uma idade inaugurada, mais rugas instaladas sem permissão e algumas dores que insistem em dizer que você não tem mais vinte anos. Continue lendo

Crônica do Dia: Rita Lee

Livro-Rita-Lee-Imaginação-FértilPor: Kátia Muniz

Não consigo ouvir algumas músicas da Rita Lee sem fazer viagens ao passado. Tem canções que permanecem com a gente, moram dentro e basta ouvir os primeiros acordes para as lembranças saltarem do fundo do baú.

Quando me deparei, na livraria, com Rita Lee – uma autobiografia, sabia que a leitura seria um check-in para as recordações.

O livro tem 294 páginas. Devorei-as. Continue lendo